27 abril 2011

Sem rumo, sem prumo.


Olhava pra cima constantantemente, tanto que trombava com tudo e todos ao redor, procurando por algo que cairia como um meteoro, incendiando o mundo antigo e trazendo um mundo novo. Precisava de um mundo novo. E andava a passos rápidos, não por que estivesse atrasada, não por que tivesse pressa, mas por que odiava a ideia de andar por aí sem prumo, odiava o ato presente de não ter meta, odiava o fato de não saber pra onde ir. Gostava da sensação de chegar, do sentimento que o rumo causava, do calor que lhe invadia o peito durante a caminhada. Gostava de imaginar que alguém a esperava lá (no ponto final), gostava da ideia de ter algo por que ansiar. Por que já não sabia sonhar, não sabia o que queria, não sabia o que fazer. E justo ela, a geniosa, que antigamente era tão cheia de vontades e sonhos e respostas que delimitava no papel o caminho que ia tomar, pra não fazer duas coisas ao mesmo tempo (e assim não acabar não fazendo nenhuma). Justo ela, que desenhou tantas vezes tantos destinos, que preparou tantas vezes milhões de caminhos, que rascunhou centenas de cenários diferentes (e especiais), justo ela agora não tinha nada no peito, nenhuma estrada nos pés, nenhum único traço na cabeça. E agora ela anda assim, olhando pra cima, com pressa de chegar, procurando a estrela cadente, o meteoro, a nave espacial, o que fosse que mudaria tudo. Mas nada vinha. Nada mudava. Nadinha. Só o vento nas folhas, o tempo que corre, e as vozes que gritam que esperam o mundo de você. Mas nada vinha pra indicar o caminho. Nada soprava uma dica. E nunca nenhum meteoro riscou o céu de vermelho e fez nascer o mundo novo. Nada aconteceu, nada existia além da garota que andava correndo, olhando pra cima, procurando uma resposta. Nadinha.

17 abril 2011

Desde sempre.

  Rimos a tarde toda. Contamos aquelas histórias bobas de um tempo que já passou de novo e de novo, por mais tempo do que deveríamos, e acabamos no silêncio sem palavras e com entendimentos, com significado. Até que um único nome desestruturou todo o meu mundo como era. E, por um momento, eu me perdi na conversa e no sentimento e na saudade que eu esperei tanto pra manter.
  Cocei a cabeça.
- É que eu sempre tive essa mania estúpida de acreditar na amizade.
  Ele sorriu.
- E de achar que você não iria embora.
 E ficou em silêncio.
- Não tem nada demais em ir embora, eu acho, mas é que eu achei que você não ia. Eu acho que desejei que você não fosse.
 E nem levantou a cabeça pra me olhar.
- Não me entenda mal, eu não estou te crucificando aqui. Não estou nem ao menos reclamando. Apenas estou estranhando. É um universo muito novo pra mim.
 E pude ver sua respiração sair mais devagar, como a de quem se concentra. Não sabia o que esperar. Ainda que eu o conhecesse tão a fundo, ele era sempre uma página em branco, uma surpresa de um livro secular e bem estruturado. Eu sempre quis lê-lo. Sempre quis tocar as páginas e me aprofundar mais um pouco. Ele sempre pareceu tão... convidativo.
- São só os nomes que eu não sei de quem são que me deixam um pouco assim, um pouco perdida, um pouco pra trás. Mas é tempo de novos nomes, de novas lembranças, de novas histórias clássicas e de novas risadas impágaveis. Eu sei. É assim pra mim também.
- É que você sempre teve essa mania de compartimentar tudo.
 Ele finalmente disse, ainda sem me olhar, embora seu rosto estivesse voltado pra mim. Mas ele via mais além, mais atrás, o olhar fixo nas montanhas tão distantes atrás de mim. Montanhas da nossa infância.
- É, eu acho que sim. Eu sempre tive essa capacidade.
 Registrei a diferença no palavreado devagar. Capacidade ficou pairando entre nós, por um minuto inteiro, deixando tudo mais claro do que qualquer palavra minha jamais teria deixado. Para ele, era um defeito. Para mim, um dom.
   Nós sempre pensávamos diferente.
- Você acha que eu não deveria?
- Acho, acho sim. Acho que você devia tentar viver a bagunça, a confusão, a mistura algumas vezes. O novo e o velho.
- Não gosto da idéia. Não gosto nem ao menos de pensar na possibilidade. O novo é tão... desconhecido.
- Está sendo ignorante. Quanta coisa nova não há por aí, apenas esperando que seja conhecida a fundo para se mostrar maravilhosa?
- Talvez. Ainda sim... Eu me sinto perdida. Um pouco abandonada, talvez.
- Eu não vou...
- Vai sim. É claro que vai. Aos poucos, ainda que seja, mas você vai. É sua nova realidade. Minha nova realidade. São coisas distintas agora. Nós só temos memórias pra compartilhar agora.
- Não é suficiente?
- Não, não é.
  E ele voltou a fazer seu silêncio, seus olhos ainda no horizonte atrás de mim. Eu sabia o que encontraria neles, então deliberadamente também os evitei, buscando no céu azul alguma maneira de não me incomodar com aquela enxurrada de novidades que vivíamos e que nos separavam e que faziam meu peito doer de saudade vez ou outra.
  É que eu sempre o amara tanto.
- Você sabe, não precisa ficar com essa cara. Eu já disse, eu não estou reclamando nem nada. É só... estranho. É estranho por que é diferente, mas eu vou aprender a conviver com isso. Com a mudança que o tempo traz pra gente.
- Você fala como se fosse tão simples...
- E é. É simples. É só tempo. É só... Eu não sei. Vamos lidar com isso de algum jeito. Vamos perdurar. Ou pelo menos, as memórias vão. A gente vai sempre ter esse elo, né?
  Eu o vi sorrir. E ele então finalmente olhou pra mim, os olhos fixos nos meus de maneira intensa demais pros meus nervos. Ainda sim, sorri também. Ainda que eu o perdesse lá na frente, eu já o tivera. Eu teria sempre uma parte dele que seria só minha, eu teria anos daquele ser humano incrível que ele sempre fora. E ainda que ele crescesse, mudasse, partisse, me dissesse adeus... eu sempre o teria. E eu sempre o amaria. Desde sempre, para sempre.

11 abril 2011

Rosa sem destino.

Ela tinha a rosa dos ventos tatuada na perna direita. Não era daquelas comuns e não tinha nenhum dos pontos que deveria, mas estva ali, obvia, exuberante e chamativa, capturando o meu olhar do banco oposto. Eu me perguntava se ela, a rosa, servira seu propósito e contara a ela, a mulher, aonde ir. Se ela havia encontrado seu caminho. Se era com algum propósito a mais que ela estava sentada ali, tão perto, no banco ao lado do meu no ônibus a caminho do fim do mundo onde eu mesma me perdia e me jogava vez ou outra. Me perguntei se a resposta pra tudo estava apenas em uma tatuagem de rosa dos ventos, gravada na pele com alguma dor e tinta preta. Olhei bem pra ela, a mulher tatuada, por algum tempo. Algum longo tempo. Procurava nela o sinal evidente de que ela sabia onde ir. De que tinha rumo, tinha destino, tinha futuro certo, escrito nas estrelas, na pele, na tatuagem. Não parecia. Na verdade, paecia ainda mais perdida que eu, a eternamente perdida menina de todos os ônibus (parecia tão sem rumo). E os olhos, que vasculhavam a estrada a procura de seu ponto, a faziam parecer ainda mais perdida. Perdi o interesse.Com rosa dos ventos, ou sem, ela parecia sem rumo demais. Duvido que soubesse pra onde ia. Não tinha respostas pra me dar. Ficariamos todas perdidas por mais um tempo.

05 abril 2011

Você quer a verdade?

   A verdade é que eu tenho um medo que me pelo de ficar sozinha pra sempre. E embora dúzias de analises psicológicas pudessem supor um motivo, eu devo dizer aqui, com todas as letras, que não me importo com ele. E eu sou assim, sou assim desde que lembro, e carrego no peito esse medo insano, esse receio incurável, essa impressão de que, de repente, vai sair todo mundo correndo pelas saídas mais próximas gritando "fujam pras colinas!". E não é que não vá chegar mais ninguém, mas eles provavelmente vão me olhar torto e me achar estranha e me desprezar com seus olhos desconfiados velados numa aparencia simpática e uma piadinha de humor sem graça - sobre mim. E não é que eu não possa fazer novos amigos, mas os novos nunca são iguais aos antigos (pelo que eu secretamente agradeço, já que os antigos foram embora), e eu nunca vou me sentir realmente completa, não até ter se passado muito tempo e eu ter acostumado com a presença, achado que seria diferente, e então eles já estão me deixando de novo. É só que assim, eu vou sempre viver pela metade, esperando, receando, contando os minutos pra hora em que eles se vão de mim. E os sorrisos vão ser preciosos, intensos demais, vivos demais, e todos vão achar que é por que eu sou feliz - enquanto eu sofro como uma condenada, morrendo de medo do escuro que fica quando as luzes se apagam, o show termina e o público vai embora, satisfeito com as horas alegres de música ao vivo. E se você quer saber a verdade, eu te digo, sou eu quem fica pra trás limpando o palco. Sou eu que fico aqui me atendo as promessas vazias e as lembranças que eu finjo que são mais felizes, que é pra eu acreditar que em algum momento eu fui feliz de verdade, completa de verdade, vivi de verdade. E eu não estou falando de falsidade, de traição. Estou falando de tempo. Não importa o quê, eles partem, eu fico, eu choro, eu sangro, e eu começo tudo de novo, meu medo, meu pânico, meu quarto escuro solitário. E, droga, eu tenho medo do escuro.
   Então se você quer saber a verdade, eu te digo, por que eu já descobri: porra coisa nenhuma é pra sempre, os laços alguma hora se soltam e quem viveu aquilo demais é aquele que mais sofre. Ou pelo menos, é um daqueles que sofre bastante. Então, não sei, faz um esforço e fica. Fica comigo dessa vez. O que eu vou fazer se, depois de tudo isso, de todas as vezes, de todas as lágrimas, de todo o amor, eu ficar sozinha e no escuro de novo?  Esse é meu grito de socorro. Em negrito, em verdade, em texto seco, de coração, sem parágrafos, sem second thoughts, sem lágrimas e desespero dessa vez. É meu pedido. Pras estrelas, pro anjo da guarda, pro melhor amigo, que seja. Vê se não me deixa sozinha dessa vez.

02 abril 2011

Canário Amarelo.

 Ele queria voar. Já sabia ser livre no céu há tempos, crescido como passáro solto que era, mas não conseguia pôr os pés longe demais da gaiola que era dele. Que era ele.  E pintara as paredes de azul na esperança de se tornar do céu e se jogara no vento pra saber como era ir contra a corrente. Mas não sabia ir ao contrário, não gostava de ser diferente, nunca bateu asas e fincou pé por algo que lhe fosse realmente importante. Perdera a chance de cantar bonito, porque se acostumou a ficar em silêncio escutando as vozes dos outros soarem livres e lindas pela sua janela. E agora, queria cantar e não sabia, queria partir mas não podia, queria ir pro alto e caía. Passáro covarde. Sonhou voar, mas teve medo da  altura. Pra ele, só há lugar na gaiola. O mundo dele vai ser sempre a gaiola. Ele vai ser sempre a gaiola. Feito de sonhos perdidos, medo alado entre barras de ferro, aprisionado, fingindo viver e alçar voo. Mas sempre nada mais que canário amarelo na gaiola. Sempre pássaro sem destino.


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