20 julho 2013

Sobre exclusividade.


- Eu não achei que você quisesse namorar.
Ele resmunga.
- Bem, você devia querer. Não é você quem diz que me ama? Não foi você o primeiro a dizer, a me fazer acreditar?
- Mas você sempre reclamou tanto da coisa do relacionamento de verdade, do namorado ciumento, das amarras, dos protocolos. Eu só não queria perder você pra uma besteira feito um título.
- Isso não faz nenhum sentido. Não conheço nenhum cara que tenha perdido uma mulher por que oficializou as coisas. E eu ainda não entendo onde ela entrou nisso.
- Você tem medo de relacionamento sério. – E, ao ver que ela retrucaria, ele se adianta - Não adianta negar; você sabe que é verdade. E quanto a Luana... bem, eu sou obrigado a admitir, ela me balançou quando veio de conversinha. Quero dizer, nós namoramos por mais de dois anos... Mas já faz tanto tempo. Ela queria dar outra chance pra gente, levar devagar. Ela queria ver se eu tinha mudado. E eu tinha. Por você.
- Eu não mudei você pra ela. Eu queria você pra mim.
- Eu sou seu.
- Não é. Você é nosso. E eu quero exclusividade.
- Por que você não disse antes?
- Sete meses, André! Era de se esperar que você já tivesse pegado a dica, não?
- Mas você continuou!
Toda a expressão dela se fechou num beicinho e ela mordeu o lábio, segurando a própria raiva. As palavras escapam, no entanto, tão doídas que ele não conseguiu evitar alcança-la, tocando qualquer pedaço de pele que pudesse.
Ele só queria estar com ela.
- Dói ficar longe de você. É ridículo, eu sei, mas é quase físico. É impraticável. Eu simplesmente não consigo, ok?! Eu tento, juro que sim, mas não adianta. Eu te dou um gelo, te ignoro por dias e fico me lembrando que é o melhor pra mim, que eu mereço mais do que o que você me dá, mas eu sinto falta demais da sua voz no meu ouvido, das suas ligações nos horários mais descabidos e das suas mensagens sacanas. E eu sei que não pode ser saudável, mas é apavorante ficar sem suas bobeiras, seu corpo perto do meu de manhã, seu café horrível na tarde do domingo. E eu quero você, mas eu quero inteiro.
- Eu estou sempre por inteiro com você, Lú.
- Mas eu quero você sempre. Eu quero poder te ver a qualquer hora, te ligar sem o peso de imaginar se você está com ela ou não.
- Então acabou. Acabou eu e ela, agora somos só eu e você.
- Você jura?
- Pelo que você quiser.
Ela suspira de novo, olhos fechados, expressão consternada. Ele se aproxima mais, se arrastando devagar pela cama, passa os braços ao redor do corpo familiar, a aperta bem sobre o peito e se certifica de que ela está bem ali, onde ele pode alcança-la. A essa altura, depois de tanto tempo, ele já não pode deixá-la. Não consegue.
- Diz de novo. Diz que é só a gente agora.
- Eu e você. Só eu e você.
- Só eu e você.
Ela repete, e dos olhos fechados corre uma lágrima. Mas ela acredita. Ela sempre acredita.
E de repente, dessa vez, é de verdade.

12 julho 2013

Essa coisa cor de rosa.


- Você tem andando bem informal, hã?
Ele meio que diz, meio que cobra, e eu não sei bem onde quer chegar com isso. Meus olhos correm o quarto enquanto penso numa resposta. Não sei o que dizer.
- Eu não devia?
- Bem, não é isso. É só que, eu não sei, você perdeu aquela aura de poesia que você tinha antigamente. Você perdeu aquele tom de rosa que parecia flutuar ao seu redor.
Coço meus braços nus, de repente sentindo a necessidade de um cigarro. Ou de um chiclete, sei lá.
- Isso não faz nenhum sentido.
- Bem, sim. E não. Quero dizer, a quanto tempo a gente se conhece?
- Sei lá. Quatro anos? Seis?
- E você era toda sobre letra e rima antigamente. Agora parece que secou, que murchou. Agora você é... normal?
- Você só me conheceu melhor, é tudo. A gente não era íntimo todos esses anos atrás. Você só via uma parte de mim. Você só lia uma parte.
- Mas... eu gostava daquela parte. Onde foi?
- Não seja bobo. Eu sou a mesma pessoa. Mais ou menos. Eu só me aproximei. Hoje em dia você pode tocar meus segredos e dedilhar minhas letras bem onde elas surgem, onde elas se formam. Hoje em dia você tem a chance de me abraçar e impedir as palavras de rolar peito afora, feito cachoeira de sangue. E isso é uma coisa boa.
Ele hesita.
- É claro que é. Quero dizer, nós estamos juntos, não é?
- Tipo isso.
Eu digo, incapaz de dar-lhe uma resposta concreta. Essa coisa de rótulo e compromisso me escapa das mãos muito rápido e eu gosto de conter meus sentimentos. Gosto de estar no controle.
- Você está fazendo de novo.
Ele acusa mais uma vez, e meus olhos buscam os dele dessa vez, incapaz de evitar buscar na fonte a reposta pra minha curiosidade.
Ele não está sorrindo, e a visão é um tanto quanto surpreendente.
- O quê?
- Sendo informal. Guardando sua poesia só pra você. Guardando suas letras e seu cor de rosa. Guardando de mim.
- Acho que você está sendo infantil.
- Acho que você está mentindo pra mim. Que está guardando sua poesia por que não quer que eu me aproxime. Acho que você tem medo de me deixar ver o que corre por dentro das tuas veias. Acho que você é uma covarde.
E minhas palavras morrem, por que é verdade, mas ele não devia ter dito. Tem coisas que não devem ser ditas por ninguém. Tem coisas que a gente simplesmente leva.
- E eu acho que você é um estúpido. Que não consegue ver ou entender ou desenhar o que vai nas margens de mim, por que é demais pra você. Você nunca pode, nunca conseguiu entender as palavras que desenhei na minha pele, nos meus olhos, nos meus cabelos. Eu vazo pelos meus poros, eu pingo, eu escorro pra longe da minha sanidade quando em poesia. Então não venha me apontar dedos e exigir que eu faça de novo.
Ele não responde. Eu o ignoro. Caminho pelo quarto sem pudor, e desenterro uma embalagem de cigarro do fundo da terceira gaveta. Posso quase sentir a reprovação dele atrás de mim. Acendo um sem cerimônia alguma, e me perco na sensação por preciosos segundos.
E lá se vão meus três meses sem nicotina.
- Se você precisa mesmo saber, é muito melhor quando você me cola, quando sua presença faz pressão nos meus cortes e eu não sangro a dor que eu não preciso sangrar. É muito melhor ser informal. É sinal da minha sanidade.
Sei que o batom que ainda uso deixará marcas no papel, mas aperto os lábios em torno do cigarro pra calar o verbo que corre por dentro assim mesmo. Não quero me deixar esvair. Tenho muito medo do que ainda pode jorrar. Meu amor, minha dor, minha confusão e hesitação. Não, não posso jorrar. Já faz tempo que não posso.
Ele me abraça então, cigarro e tudo, e está tão feliz que posso sentir seu sorriso contra minha pele, como um veneno. Muito pior que a ponta acesa contra meu ombro.
- Obrigada.
Ele diz e eu me sinto quebrar um pouco, me sinto usada, me sinto recurso. Fecho meus olhos pra evitar a água que se faz em mim.
- Eu não nasci poeta, sabe? Eu me fiz poeta por dor. Então não me pede pra rimar, pra escolher palavras ou brilhar uma cor do seu espectro de felicidade. Eu sinto tão menos quando estou em tom de cinza. Quando estou em frequência com o mundo, com você. É azul pra mim, é colorido, eu juro. É paz.
 - Obrigada.
É tudo o que ele repete, satisfeito por eu falei, por que dividi, por que rimei, por que me desfiz em minha prosa desritmada e cheia de vírgulas. E eu sei que não acabou. Por que pra ele o amor é cor de rosa, é poesia, é beleza e paixão e rodopio de cores num céu de fumaça indistinta. E pra mim amar é paz, é silêncio, é cinza, quase branco, é ausência de doer e fumaça e poesia. Pra mim a gente é paz no abraço, no café na cama, na parede branca sem quadros ou ornamentos do meu quarto, que ele sempre quer pintar, mas nunca escolhe a cor. E eu achei que ele deixaria pra lá, mas eu sei melhor agora, nós nunca combinaremos. Ele vai querer por azul nas paredes e portas e eu vou chorar quando acordar querendo nuvem e meu quarto for apenas céu.
Acho que ele é daltônico pra minha paz.
Ah, maldita poesia. Me levou outro amor.

01 julho 2013

Impossibilidade


- Você precisa mesmo ir embora agora? - Ela pergunta, hesitante. Ele nem ao menos se move, entretido demais com a curva do pescoço dela para se deixar distrair. Suas palavras de resposta saem abafadas contra a pele quente. 
- Eu gostaria de poder ficar. De verdade. Mas preciso ir.
- Fica só um pouco mais.
- Eu não posso.
Ele replica e se afasta, catando as roupas pelo quarto de maneira displicente. Ela se ajoelha sobre a cama, a expressão pedinte.
- Mas eu quero mais de você.
- Nem sempre as coisas são como a gente quer, princesa.
- Você tem me dito isso vezes demais.
Ela diz, cruzando os braços feito criança e sustentando um olhar teimoso, rebelde, tão cheio dela que quase faz ele rir.
- E você tem feito essa cena vezes demais. Você sabe que eu não posso ficar.
- Eu só queria que você demonstrasse, pelo menos um pouco, que queria ficar comigo aqui. Que, se pudesse, me amaria pra sempre e essas babaquices.
E aí ele sorri e, ainda sem a camisa que repousa em algum lugar perto do corredor, se aproxima devagar, com os olhos castanhos brilhando o maior amor que ela vê em semanas. Ela mantém o beicinho, no entanto, e ele ergue seu rosto, trazendo-a para perto, os dedos carinhosamente segurando seu queixo e elevando-a para um estado de espirito oh, tão beijável.
- Eu vou te amar pra sempre e essas babaquices. Só não pode ser agora. Só não pode ser ainda. Você sabe bem como as coisas são: seu pai me detesta, meu emprego é uma merda, a faculdade tá me matando e eu preciso cruzar duas cidades pra te ver. Mas vai dar certo, princesa. A gente sempre dá.
- Eu tô cansada de esperar. De ficar com você escondida, de ter que te contrabandear pra dentro e pra fora da minha casa, das minhas paredes, de mim.
- Você quer desistir?
E ela estaca, o peso das palavras dele sacudindo tanto seu peito que ela tem medo de quebrar. Ela se inclina e o beija então, impulsivamente, desesperadamente, quente. Ele a segura com cuidado, os dedos ainda correndo o carinho pelo rosto, o gesto pausado demais pra intensidade dela. Ela não consegue parar de beijá-lo.
- Não.
É a unica palavra que lhe escapa entre os beijos, e ele sorri e ela o abraça, o desespero parecendo escorrer enquanto as peles se tocam. E suas unhas o arranham por um segundo, mas ele não diz palavra por que gosta, por que se sente especial sabendo que ela se marcou na pele das suas costas.
Ele suspira o contato intimo demais, querendo mais dela outra vez. Mas não pode. Tem que ir embora. Já é quase dia, de todo modo e ele tem que trabalhar logo mais.
- Você vai precisar me deixar ir, eventualmente. Já é quase hora do seu irmão bater na sua porta, além do mais.
- Ele que vá…
Ele ri e ela suspira, tornando leve, finalmente, o toque e o ar em volta deles. Ele deposita um beijo em sua têmpora e ela sorri, conquistada, apaixonada, derretida.
- Quando você volta?
- Eu não sei. Quarta-feira? - Ela geme, infeliz e ele morde o lábio, para não mordê-la. - Eu te ligo.
- Eu te espero.
Ela sussurra, e ele a beija uma ultima vez antes de se afastar. Calça os sapatos de qualquer jeito e se aproxima da porta do quarto, dando uma olhada cautelosa no corredor pra garantir que o irmão, com quem ela divide o apartamento, ainda está dormindo no próprio quarto. Ele ri da infantilidade da situação por um breve segundo e depois de, finalmente, colocar o corpo pra fora do cômodo (e localizar a camiseta, desleixadamente jogada contra a porta do banheiro) ele se vira, incapaz de evitar:
- Eu te vejo?
- Não se eu te ver primeiro.
E com um ultimo sorriso que parece gravado a fogo nas retinas dela, ele vai embora.

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