20 agosto 2013

O topo da montanha russa.


- Você calou minhas letras.
 Eu digo sem tom, minhas mãos segurando o rosto, apatia fluindo de mim.
- Desculpa?
É tudo o que ele me responde, os olhos verdes brilhando lá do outro lado da cozinha onde ele está sentado com sua caneca de café entre as mãos. De algum modo, ele não me parece muito como café. Sente mais como água, como líquido fresco, como algo natural. Posso senti-lo fluir ao meu redor e fecho meus olhos, indignada.
- Você não deveria calar minhas palavras. Você deveria inspirar. Olhos, pele, mãos nas minhas. Você devia ser a inspiração em carne e osso.
Ele segura o riso e sorri, quase sem graça, quase sem jeito. É adorável demais para que eu não aprecie. Dou um passo em sua direção.
- Por que você faz isso?
- Não tô fazendo nada!
Ele diz e eu reviro meus olhos, como se estivesse exausta, exaurida, farta. E estou. Estou cansada de encarar minhas folhas por horas, as páginas em branco me julgando pela minha ausência, minha falta de sentimento que pinga em letra.
E a culpa é toda dele e desse rosto muito bonito para querer estar assim tão perto do meu.
- Vem cá.
Ele pede, voz doce, sedução pingando de cada sílaba. Quero mordê-lo. Quero abraçá-lo. Quero espancá-lo por calar minha mente de forma tão efetiva. Ele é perfeito demais.
- Não. - Eu digo, mas dou alguns passos em sua direção assim mesmo. Parece automático. - Eu quero que você vá embora. - Eu digo, parando meus pés quando já estou ao alcance da mesa em que ele está sentado.
Ele levanta uma sobrancelha, como quem duvida.
- É mesmo? Achei que eu fosse sua... inspiração.
- Você devia ser. Mas não é. Na verdade, a culpa é toda sua que eu já não consigo desenhar uma única palavra no papel. Você é meu silêncio.
- Cala a boca. - Ele diz, como sempre faz quando não consegue encontrar a expressão que precisa. Ele ainda não está a vontade com minha língua, minhas palavras, meu idioma, embora o meu e o dele sejam assim tão parecidos. Gosto de vê-lo titubear nas palavras, no entanto. Faz com que pareça vulnerável. Faz com que ele pareça ainda mais adorável.
Ele encontra meu olhar observando-o atentamente, cuidadosamente, e também revira os olhos. Pousa a caneca na mesa, ainda parecendo indignado que eu o queira mandar embora. Pra ser sincera, parece loucura pra mim também.
- Eu nem sabia que você escrevia. Sobre o que você escreve, de toda forma?
- Romance. Bobagens. Sentimentos. Escapes.
- Combina com você.
Ele admite, estendendo a mão em vão para tocar a minha. Ainda estamos longe.
- Não faz diferença. Você está calando tudo.
Ele então suspira e inclina a cabeça e, de repente, toda sua desconcertante perfeição parece gritar com meu sistema nervoso. Sei que preciso desviar os olhos, mas não consigo me forçar. Ele sorri então, e metade de mim derrete e minha expressão torna-se quase dolorida.
- Você meio que é bom demais. Não tem muito o que escrever sobre, não tem muito mais o que imaginar.
Eu confesso, e ele parece se irritar novamente.
- Cala a boca. - Ele repete, se levantando num movimento fluído - como água, como líquido - e se aproxima de mim. Suas mãos envolvem as minhas antes que eu tenha a chance de sequer pensar em evitá-las. - Você não precisa realmente escrever essas coisas. Eu tô aqui. Você pode viver essas coisas.
Estou tendo dificuldade em me concentrar em nada que não sejam os lábios rosados perigosamente perto demais dos meus. Ele então me aproxima ainda mais, dobrando meus braços ao seu redor, fazendo com que minhas mãos, nossas mãos, parem exatamente acima de onde suas costas mudam de nome. E ele é perfeito entre meus braços, ele é perfeito a minha frente. Posso quase sentir cada um dos seus músculos contra a camiseta. Meus olhos se fecham e eu escondo uma pequena prece.
Eu o odeio.
Mas não de verdade.
- Mas escrever faz parte de mim.
Eu digo, minha voz pequena contra seu rosto, nossas testas num esforço tímido para permanecerem unidas. Ele morde meu queixo, e posso escutar a risada baixinha penetrando meus poros.
- Eu também.
- Não é justo.
Eu digo, e meus braços o abraçam com mais vontade, e eu me deixo repousar em seu corpo. Não tento manter meus pensamentos coerentes, por que assim tão de perto não é mesmo possível. Ele é demais pra minha sanidade, já tão escassa.
- Desculpa. - Ele pede, e soa sincero. Eu deixo sua voz soprar meus ouvidos, e ele desenha padrões nas minhas costas, distraído. - Mas eu não vou embora. Você é muito linda. Muito minha pra deixar partir.
- Você é bom demais pra mim. - Admito, culpada, e sinto seu rosto movendo-se em negativa contra minha pele. - E estar com você é tão pacífico que eu não consigo desenhar um nada do ao redor. E isso é um pouco perturbador, está fora demais dos meus padrões pra ser verdade. É como se eu estivesse subindo esta ladeira desde sempre, e de repente já não tem pra onde ir e eu não sei lidar com isso direito. Não sei lidar com você.
Sinto-o suspirar contra minha pele, e me arrepio. O aperto mais um pouco contra mim, só por que é confortável. Ele se aventura a morder meu pescoço, e eu me encolho. Ele deposita um beijo, entendendo meus medos quase melhor que eu - mas como é possível em tão pouco tempo, jamais saberei.
- Pensa assim: eu e você somos estamos lá em cima no que você chama romance. E já está bom, não precisa de letra nem nada. Não precisa pintar, não precisa escrever. Tira uma foto, se quiser guardar. Mas ainda acho melhor só eu e você, só viver devagar, enrolar minha mão na sua, sua cintura na minha, seu calor no meu. E não é ruim. Juro que não é ruim.
Eu fecho meus olhos e me descolo um pouco só pra ficar de frente, pra sentir o respirar e tentar ter certeza, absorver a sua certeza, tentar acolher no meu coração a ideia de deixar de lado, depois de tanto tempo, as minhas canetas e lápis e folhas. Sente certo, mas parece tão errado. Estou assustada com a ideia de deixar as faces que desenho apenas para observar a sua. Tocar a sua. Beijar a sua. Estou apavorada com a ideia de que, no alto da montanha russa de nós dois, eu esteja no pico e vá cair sem conseguir alcançar minhas letras.
Suspiro.
- Que se dane. É bom, nós dois. Vou viver isso, um pouco. Vou reservar minhas canetas um pouco. - Ele ri, e um tímido "é isso aí, cala a boca" escapa de seus lábios. Eu também dou risada, incapaz de me conter.
- Não se preocupa tanto. Prometo que não vou deixar você cair daqui de cima. A gente pode ficar no alto das suas expectativas e dos seus romances e tudo.
- "Uma montanha russa que só vai pra cima". - eu cito meu livro favorito, e você sorri, mas não sei se reconhece o autor. Não sei se faz diferença agora. Não sei de nada quando estamos tão perto. - Você não devia mesmo fazer esse tipo de promessa.
- Cala a boca. Não tem nenhum problema se eu estiver disposto a cumprir.

12 agosto 2013

27 de Julho de 2012.



"Amoreca, feliz aniversário! é muito mega estranho pra mim não estar com você hoje depois de passar anos e anos em sua companhia no dia do seu nome, mas superarei por que você está acompanhada de amigos que não são eu, mas que eu sei que estão cuidando de você por que eu os ameacei a fazê-lo (espero que você tenha passado essa ameaça adiante, eu super não estava brincando).
Estou aqui sendo linda e dizendo que te amo e te desejando muitos anos de vida por que você é minha melhor amiga, a mais querida e mais amada e mais peituda, e você sabe perfeitamente que eu só te desejo o melhor, e torço por você e faço figa e dança da chuva pras suas vitórias e felicidade desde sempre - ou quase isso, por que você tem essa cara de pessoa insuportável e era muito difícil te amar no começo - mas eu te amei assim mesmo e morri de ciumes de você com todo mundo, por que eu sou dessas. Mas os anos passaram e você ficou fofa, com cara de fofa, aprendeu a sorrir e a falar o que sente e a fazer mais amigos e a ter paciência, mesmo quando você quer estrangular todo mundo por que nós somos tão dramáticos e ridículos.
E eu só quero que você continue essa mesma coisa fria e calculista de sempre (muito embora você nem seja mais), sendo cachorra e tal, por que essas historias eu vou contar pros seus filhos e pros meus filhos e pros netos deles (vou viver anos, repare) e vou ficar cutucando você pra vida enquanto faço isso, por que eu sei que nós vamos ser aquelas velhas divertidas que ficam falando do passado pros parentes e que são amigas pra sempre (ai de você se não for).
Viva muitos anos, amiga, pra ser minha amiga e pra ser amiga de muitos outros, (por que essa pessoa linda e quase fofa que você é e fica fingindo que não é tem mais é que ser distribuída pra todo mundo - mas por favor, separe um espaço pra mim na sua agenda lotada, ;p), seja feliz e fique sempre onde eu possa te alcançar pra te dar um abraço quando você precisar, quando eu precisar, quando a gente quiser. Te amo terrores e espero que você esteja curtindo todas aí no maranhão com os engenheiros gatos, já que não pode curtir todas comigo. Só não esquece de guardar um pra mim, asyagsgys"

Na época, escrevi aqui no rascunho e postei no facebook. Mas acho que, mais de um ano depois, estou autorizada a salvar pra posteridade no meu pedaço de infinito. Afinal de contas, essas histórias com a melhor amiga a gente tem que preservar.

07 agosto 2013

Eu e eles é a mesma coisa.

As pessoas fazem as mesmas coisas e sentem quase as mesmas dores e caem nos mesmos lugares e falham as mesmas falhas e é quase engraçado como eu me vejo por aí em corpos que não habito, que não se parecem comigo, mas que são eu, por que é tudo igual e dói igual e parece igual, mas tá todo mundo tão sozinho que estar juntos no mesmo lugar (dolorido) já não quer dizer nada. Nada mesmo.

04 agosto 2013

João Pedro

A primeira coisa que sinto quando volto à consciência são seus olhos sobre mim. E não preciso realmente abrir os meus ou procurar os teus para saber a direção em que olham ou os detalhes que apreendem, por que posso sentir o calor que emana de você bem acima, bem ao lado, bem por todo lado de mim. E é reconfortante te saber tão perto e é estranho te saber tão atento. Ainda é tão cedo, ainda estou tão desarrumada, tão desacordada, desalinhada demais pros seus olhos apaixonados. Ainda não estou a altura do teu verde, do teu dedicar.
Tenho vergonha das minhas falhas e me encolho, como que por reflexo, querendo tirar seus olhos de mim. Mas você me conhece bem demais e sabe tão bem quanto eu meus motivos mais escondidos. Sinto seus dedos correndo pela minha pele no carinho pausado, calmo, tranquilo de quem não se importa com minhas falhas. De quem me acha linda.
- Você está fazendo de novo.
Acuso com voz monótona, apesar do calor que corre o peito por dentro, da inquietude que é você no meu coração assim tão perto, assim tão cedo. E eu ouço antes de ver que você está rindo, e o som assim tão pela manhã parece mais claro e natural que os pássaros do lado de fora da janela.
- Não estou fazendo nada.
- Você estava me olhando dormir. De novo. Mesmo depois deu ter pedido pra você parar, por que é super creepy.
- Não é nada creepy.
Ele nega e, apesar do tom chateado, os olhos verdes estão sorrindo.
- Claro que é! Você está aí, com essa cara de bobo, com esse sorriso estampado, admirando minha inconsciência.
Ele ri e o som desperta animaizinhos no meu estomago. Borboletas? Tente elefantes.
- A culpa não é minha se você é linda. Você não tem ideia do que são seus cachos pelo travesseiro, seu sorriso enquanto sonha. Só eu sei.
Me viro de lado como quem tenta escapar, por que não sei bem o que fazer diante de elogios, nunca soube, e quando vem de você fico ainda mais sem graça, por que posso ver nos seus olhos que é tudo verdade. É esse seu verde-piscina, esse azul-fingindo-que-é-mar que me tira demais de mim, dos meus sentidos, da minha sanidade. Não sei como agir contigo. Não sei parar de sorrir.
- Para com isso. Está muito cedo pra me deixar assim tão sem graça.
- Bem, você pediu por isso.
- Não é verdade.
Eu digo, e você sorri aquele sorriso travesso e eu sei que é uma péssima ideia discordar de qualquer coisa, por que você está sempre certo quando sorri. Sacudo minha cabeça, vencida.
- Como você faz isso?
- O que?
Você pergunta, imagem da inocência, e eu não consigo conter o meu riso, o meu gargalhar. Ainda é tão cedo e já estou aqui, amando você com tanta ênfase que meu peito eclode em sorrir.
- O que eu fiz pra merecer isso, hein? Seis e quinze da manhã e eu descabelada, desacordada, esquisita, esparramada e atontada e ainda assim vítima desses holofotes verdes cheios desse... – Suspiro. – É demais, apenas.
Você sorri e se inclina e meus olhos se fecham quando nossos rostos se tocam, e seu nariz acaricia minha pele e sua respiração cumprimenta meu respirar e eu sinto que te amo tanto que as coisas chegam a sair um pouco do lugar. Mais um riso escapa de mim.
- Bom dia.
Você diz, e nenhuma outra palavra é necessária.

- Bom dia.

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